Disciplina Pós-Graduação: Conflitualidades tecnopolíticas e os limites da democracia no Antropoceno

Conflitualidades tecnopolíticas e os limites da democracia no Antropoceno

Disciplina oferecida no segundo semestre de 2025 no Programa de Pós-Graduação e Ciências Sociais e no Instituto de Estudos Avançados e Convergentes da Unifesp.

Professor Responsável: Henrique Z.M. Parra.

Professoras e professores colaboradores: Alana Moraes (Unifesp), Felipe Figueiredo (ITU-Dk), Guilherme Fagundes (USP), Leonardo Folleto (FGV), Maria Fernanda Novo (Unicamp), Marina Guzzo (Unifesp), Rodolfo Scachetti (Unifesp), Salvador Schalvezon (Unifesp), Renzo Taddei (Unifesp).

Carga horária: 90hs

Créditos: 6

Modalidade: oferecida no formato híbrido, presencial para pós-graduandos do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais (EFLCH/Unifesp) e remota para pós-graduandos de outros programas de pós-graduação (também oferecida através do IEAC).

Dia/horário: a ser definido: Quinta-feira das 14hs às 18hs.

Início: 4 de setembro a 27 de novembro

Inscrições/Matrícula: de 22 de julho a 29 de julho. Pós-graduandos do PPGCS devem se inscrever através do SIIU; Pós-graduandos de outros programas e outras universidades devem consultar as condições para a inscrição e enviar um email com os documentos. Solicitamos que enviem um parágrafo de apresentação/manifestação de interesse.

Objetivo Geral:

O curso Conflitualidades Tecnopolíticas e os limites da democracia no Antropoceno pretende avançar na produção de um programa coletivo de pesquisa, através do diálogo interdisciplinar entre diferentes pesquisadoras e pesquisadores que atuam na confluência dos estudos sociais da ciência e tecnologia, antropologia, teoria política, filosofia e ciências ambientais e que estão implicados com os desafios teóricos e políticos da crise socioambiental e civilizacional que atravessamos. A disciplina busca investigar a hipótese de que o que é reconhecido hoje como “crise climática” revela a expressão mais crítica do colapso das “coordenadas modernas” (Latour), sobretudo os modos de habitar o mundo (modos sociotécnicos, epistêmicos e políticos) produzidos e gestados no Antropoceno.

Partimos de duas configurações epocais. Numa primeira dimensão, a emergência do novo regime climático, a entrada em cena do Antropoceno. O que significa levar a sério o reconhecimento da crise climática em nossas práticas de conhecimento (científicas e extra-acadêmicas) e na produção tecnocientífica? Quais as possibilidades e limites de nossos referenciais teóricos-metodológicos ou de nossas instituições políticas para abordar e lidar com os problemas inaugurados pelo Antropoceno? Numa segunda dimensão, o reconhecimento da Tecnoesfera (ou Tecnoceno), o conjunto dos arranjos sociotécnicos, as tecnologias socioeconômicas, jurídicas e políticas, materiais e semióticas, que deram forma aos ambientes que sustentam as formas de vida contemporânea. Ao mesmo tempo que sua existência gerou longas cadeias de dependência (basta pensar no desenho e funcionamento de nossas grandes cidades), suas condições de funcionamento estão na base da destruição do planeta e da vida terrestre. Interessa-nos, portanto, refletir sobre o aparente desacoplamento entre as evidências científicas sobre os limites planetários, que ameaçam a continuidade dos ecossistemas, biodiversidade e da vida humana e de outras espécies na terra, e as formas de ação política e técnica que possam corresponder a essas evidências.

Ementa

Considerando que nossa forma de vida é altamente dependente dos arranjos sociotécnicos que criamos, e que tais arranjos são oriundos de uma certa configuração entre ciência-tecnologia-capitalismo-militarização, reflexo de uma episteme e cosmotécnica específica, e da constituição das instituições políticas modernas, nos perguntamos como os problemas inaugurados pela emergência do regime climático do Antropoceno transformam nossas agendas de pesquisa e como podem ser analisados no sentido de imaginarmos rotas possíveis de bifurcação societal? Mais especificamente, gostaríamos de nos deter sobre a relação entre o que se convencionou chamar de “Grande Aceleração”, a ascensão do mundo fóssil/industrial e o que seria a emergência do Tecnoceno, suas formas sociotécnicas, estéticas e políticas de ordenar e governar a vida terrestre. O Tecnoceno atualiza e potencializa a expansão da conversão do mundo vivo em “recurso”, governa sob o imperativo da mobilização e disponibilidade infinita e incrementa a redução, controle ou contenção das formas agentivas que animam as existências e seus desejos de liberação.

No campo teórico e nas políticas tecnológicas é recorrente observar que discursos e práticas voltados ao desenvolvimento industrial, inovação científica e tecnológica ou mesmo a “transição energética” tendem a tratar as tecnologias como artefatos desprovidos de valores intrínsecos. A implementação de tecnologias em suas configurações sociotécnicas dominantes é frequentemente apresentada como uma escolha inevitável, a única solução eficiente para os problemas selecionados. Isso pode ser observado nas escolhas dos modelos atuais de inteligência artificial adotados na saúde, educação, segurança e gestão pública; nos projetos e estratégias de plataformização digital; formas de automação no trabalho; tecnologias corporativas aplicadas à cadeia agrícola; sistemas inteligentes para cidades (smart cities); iniciativas de transição energética voltadas à mitigação de impactos socioambientais.

Do mesmo modo, a disciplina busca compreender a diversidade ontoepistêmica e cosmotécnica como expressões de formas de vida capazes de imaginar e promover rotas de bifurcação ao Tecnoceno., Discutiremos em que medida elas parecem sinalizar para formas políticas e técnicas que se proliferam nas ruínas da forma democrática moderna e sua implicação com o mundo fóssil e as ficções de crescimento. A partir de uma perspectiva interdisciplinar e multiescalar dos conflitos, pretendemos investigar os limites e possibilidades de transição societal no Antropoceno/Tecnoceno. Desse modo, a partir de conflitualidades tecnocientíficas/tecnopolíticas, pretendemos cartografar um campo analítico que visa articular três dimensões que consideramos interrelacionadas: (1) crise socioambiental relativa à emergência do Antropoceno; (2) crise democrática, representada pela crescente erosão e desfuncionalidade das instituições políticas modernas, o ascenso do autoritarismo-fascismo e necropolítica instalada no interior da própria ordem democrática; (3) crise ontoepistêmica, representada por novas disputas em torno do real e verdadeiro e das tensões sobre os regimes de produção de conhecimento (científico e extra-científico).

Como a produção de conhecimento tecnocientífico é interpelada por essa policrise e como cartografar as experimentações existentes que já contribuem para a elaboração de melhores perguntas e que indicam a indissociabilidade dos aspectos ontopistêmicos-políticos-tecnológicos? Alguns dos temas abordados transitam entre novos e velhos problemas e campos teóricos: ontologias políticas, humanidades ambientais, ecologias sociotécnicas, cosmotécnicas e cosmopolíticas; bifurcação e transição societal; conflitos terranos e abordagens anti-colonilais; digitalizalização e cibernética; Antropoceno, Capitaloceno, Tecnoceno.

Objetivos Específicos

*Refletir sobre a trama saber-poder-tecnologia nos regimes de verdade (produção do real e verdadeiro) no presente e nos cenários futuros sob disputa no que se refere ao problema construído como “crise climática”.

*Analisar as reconfigurações nos modos e técnicas de exercício do poder no contexto da crescente mediação tecnológica;

*Compreender os sentidos em disputa da noção de “transição”.

*Investigar a relação entre as transformações sociotécnicas e as mudanças nas dinâmicas de mediação e representação política, bem como nas relações de autoridade e poder institucional;

*Analisar as tensões e possibilidades de um pluralismo técnico contra-hegemônico reivindicado por coletividades que interrogam a monocultura tecnocientífica;

*Identificar formas de controvérsias tecnopolíticas no que se refere às disputas socioterritoriais e modos de habitar.

Cronograma (em construção)

Aula 1 – 4 de setembro: Apresentação do curso e da metodologia dos trabalhos

Aula 2 – 11 de setembro: Tecnopolítica e Conflitos Cosmotécnicos – Henrique Parra

Aula 3 – 18 de setembro: Dataficação, IAs, governamentalidade algoritmica – Leonardo Foletto

Aula 4 – 25 de setembro: A morte da Natureza: paradigma do controle como forma de domínio sociotecnico – Alana Moraes.

Aula 5 – 2 de outubro: Estética, natureza e invenção: reflexões a partir de G. Simondon sobre casos de restauração ambiental – Rodolfo Scachetti

Aula 6 – 9 de outubro: Corpos, territórios, saberes vivos – Marina Guzzo

Aula 7 – 16 de outubro: Cosmopolítica e Capitaloceno – Salvador Schavelzon.

Aula 8 – 23 de outubro: Conflitos ontoepistemopolíticos: saberes científicos, extra-científicos e o Antropoceno – Renzo Taddei

Aula 9 – 30 de outubro: Maria Fernanda Novo

Aula 10 – 6 de novembro: Felipe Figueiredo

Aula 11 – 13 de novembro: Guilherme M. Fagundes

Aula 12 – 27 de novembro: Apresentação dos trabalhos e avaliação do Curso

Avaliação:

Presença mínima de 75%.

Produção de ensaio/artigo sobre tema e referencial bibliográfico da disciplina (formato será apresentado durante o curso).

Bibliografia inicial:

ALBAGLI, S., IWANA, A.Y. Citizen science and the right to research: building local knowledge of climate change impacts. Humanit Soc Sci Commun 9, 39 (2022). https://doi.org/10.1057/s41599-022-01040-8

BLASER, M. Incomún. Un ensayo de ontología política para el fin del mundo. Buenos Aires: La Cebra, 2024. Disponible en: https://share.google/av4C7TNU2nY4JF7n1

BOYER, D. Basta de Fósseis. São Leopoldo/RS: Cadernos IHU ideias, 2023. Disponível em: https://ihu.unisinos.br/categorias/629100-basta-de-fosseis-artigo-de-dominic-boyer-nos-cadernos-ihu-ideias

CASTRO, V. P. Convergência e bifurcação: a fase mágica de Simondon como condição genética da cultura. Idéias, Campinas, SP, v.13, 01-24, 2022.

CERA, Agostino. The Technocene or Technology as (Neo)environment («Techné: Research in Philosophy and Technology», 21:2-3 (2017), pp. 243-281. DOI: 10.5840/techne201710472).

COSTA, Flavia. Tecnoceno: algoritmos, biohackers e novas formas de vida. Buenos Aires: Taurus, 2021.

David-Chavez, D. M., M. C. Gavin, N. Ortiz, S. Valdez, and S. Russo Carroll. 2024. A values-centered relational science model: supporting Indigenous rights and reconciliation in research. Ecology and Society 29(2):11. https://doi.org/10.5751/ES-14768-290211

Davis, Janae, Alex A. Moulton, Levi Van Sant, and Brian Williams. 2019. “Anthropocene, Capitalocene, . . . Plantationocene?: A Manifesto for Ecological Justice in an Age of Global Crisis.” Geography Compass 13 (e12438

Fraisl, D., Haklay M, Hager G et al. Delineating the contours of citizen science: Development of the ECSA characteristics of citizen science [version 1; peer review: awaiting peer review] Open Research Europe 2025, 5:128. https://doi.org/10.12688/openreseurope.19411.1

FRESSOZ, J. Biopouvoir et désinhibitions modernes: la fabrication du consentement technologique au tournant des XVIIIe et XIXe siècles. Revue d’Histoire Moderne & Contemporaine, n. 60-4/4 bis, p. 122-138, 2013. Disponível em: https://doi.org/10.3917/rhmc.604.0122 . Acesso em: 23 jul. 2022.

HARAWAY, Donna. Sociologia Animal e uma economia natural do corpo político: uma fisiologia política da dominação. In: A reivenção da Natureza: simios, ciborgues e mulheres. São Paul. Martins Fontes, 2023

HORNBORG, Alf, A. (2015). The Political Ecology of the Technocene: Uncovering Ecologically Unequal Exchange in the World-System. In C. Hamilton, C. Bonneuil, & F. Gemenne (Eds.), The Anthropocene and the Global Environmental Crisis: Rethinking Modernity in a New Epoch (pp. 57-69). Routledge.

HUI, Y. Tecnodiversidade, São Paulo: Ed.UBU, 2020.

KASTRUP, V.; CARIJÓ, F. H.; DE ALMEIDA, M. C. O ciclo inventivo da imagem. Informática na educação: teoria & prática, Porto Alegre, v. 15, n. 1, 2012. DOI: 10.22456/1982-1654.29086. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/InfEducTeoriaPratica/article/view/29086 . Acesso em: 8 jul. 2025.

LATOUR, B. (2014). Para distinguir amigos e inimigos no tempo do Antropoceno. Revista De Antropologia, 57(1), 11-31.

MALM, Andreas. Capital Fóssil. A Ascensão do motor a vapor e as raizes do aquecimento global. São Paulo. Ed. Elefante, 2025

MACHADO, Horácio Sobre la Naturaleza realmente existente: la entidad ‘América’ y los orígenes del Capitaloceno. Dilemas y desafíos de especie. Revista Actuel Marx, n 20 junio, Santiago , 2016.

MANN, Geoff; Wainwright, Joel. Climate Leviathan.. 2012

MARTINS, Hermínio. The technocene : reflections on bodies, minds, and markets. New York: Anthem Press, 2018.

Merchant, Carolyn. A morte da natureza: mulheres, ecológica e a revolução científica. São Paulo. Ed. IgraKniga, 2025

PARRA, Henrique Z.M. Da tecnopolítica às lutas cosmotécnicas: dissensos ontoepistêmicos face à hegemonia cibernética no Antropoceno. In. KLEBA,J. ; CRUZ,C.; ALVEAR, A. (org). Engenharias e outras práticas técnicas engajadas : diálogos interdisciplinares e decoloniais. Campina Grande: EDUEPB, 2022. https://repositorio.unifesp.br/handle/11600/66165

POVINELLI, Elizabeth. Catástrofe Ancestral. Existências no Liberalismo Tardio. Sao pualo. UBU. 2024

PRECIADO, Paul. Dysphoria mundi. Editorial Anagrama, 2022

STIEGLER, Bernard. Bifurcate: there is no alternative. London: Open Humanities Press, 2021.

YUSSOF, Kathryn. A Billion Black Anthropocenes or None. University of Minnesota Press, 2019.


Posted

in

by